" Um professor influi para a eternidade; nunca se pode dizer até onde vai sua influência."
(Henry Adams)

sábado, 28 de maio de 2011

As especificidades da ação pedagógica com bebês - Parte IV

Maria Carmem Barbosa
Uma pedagogia para o dia a dia da sala de bebês
Para organizar um percurso de aprendizagem e desenvolvimento para os bebês é preciso que se tenha um Projeto Político-pedagógico que defina objetivos de longo prazo, pois a formação humana é algo que necessita de tempo. Além disso, cabe à escola saber o que cada bebê, e o grupo de crianças pequenas precisa para, assim, construir estratégias que possam oferecer às crianças as ferramentas necessárias para compreender e apresentar-se ao mundo.
A explicitação nos objetivos das concepções educacionais e das estratégias educacionais com as crianças pequenas é importante, pois possibilita aos educadores compartilhar - tanto com seus colegas, no interior da escola, como com os pais e a comunidade - seus princípios educativos. Ter concepções compartilhadas significa argumentar, constituir coerência, estabelecer continuidade e estabilidade tanto horizontal, na escola e na família, como vertical, entre as turmas ou níveis de ensino.
Tendo claro e compartilhado concepções e objetivos pode-se, então, começar a constituir o processo educacional. Elaborar uma intervenção pedagógica numa turma de bebês significa realizar ações de dois tipos: (a) a construção de um contexto e (b) a organização de um percurso de vida.
Construir um contexto
Uma especificidade da pedagogia com os bebês é a sutileza, a forma indireta e discreta com que se realiza. A primeira intervenção é no modo de constituir um contexto, contexto que se bem organizado nos propiciará conhecê-las e interagir com elas. Se inicialmente a professora organiza o ambiente, a presença das crianças, as conversas com as famílias, as interações do grupo podem ir transformando esses contextos. Se no início ele é mais material: móveis, brinquedos, decorações, pouco a pouco ele se torna mais social, pois o aspecto social não existe sem o material e vice-versa.
O contexto, como foi visto acima, se estrutura a partir de algumas variáveis como: a organização do ambiente, os usos do tempo, a seleção e a oferta de materiais, a seleção e a proposta de atividades e a organização da jornada cotidiana.
Organização do ambiente
A pesquisa sobre o espaço físico da escola nos ensina que os ambientes possuem uma linguagem silenciosa, porém potente. Ele nos ensina como proceder, como olhar, como participar. Uma sala limpa, organizada, iluminada, com acessibilidade aos materiais, objetos e brinquedos é muito diferente de uma sala com muitos móveis, com objetos e brinquedos fora do alcance das crianças e escura ou abafada. Cada um destes ambientes nos apresenta uma concepção de infância, de educação e cuidado. Os ambientes são a materialização de um projeto educacional e cultural.
Alguns pesquisadores observaram que quando os espaços nas escolas estão bem planejados o professor deixa de ser o único foco de atenção das crianças e o próprio ambiente chama as crianças pequenas para diferentes atividades. Isto é, uma das tarefas principais de um professor de bebês é criar um ambiente onde as crianças possam viver, brincar e serem acompanhadas em suas aprendizagens individualmente e também em pequenos grupos.
Os ambientes precisam ser coerentes com as necessidades das crianças, proporcionando situações de desafio, mas também oferecendo segurança. Os ambientes, quando bem pensados e propostos, incitam as crianças a explorar, a serem curiosas, a procurar os colegas e os brinquedos, isto é, elas podem escolher de modo autônomo.
Ao organizar a sala para os bebês pequenos, é importante arranjar pequenos espaços, confortáveis, com espelho, tapetes, rolinhos, almofadas, que possam auxiliar na sustentação das crianças e favorecer seus movimentos. Tal espaço é organizado para que as crianças interajam com outras crianças, brinquem com os objetos e brinquedos podendo, assim, vivenciar diferentes experiências.
Quando as crianças ficam muitas horas num espaço de vida coletiva, é interessante que se institua um lugar para colocar as coisas que vem de casa como, por exemplo, as fotos da criança e da família, os brinquedos, e outros objetos que criam um “oásis” de singularidade na vida e no espaço coletivo.
Como grande parte das ações das crianças pequenas está relacionada com o ambiente físico e humano onde ela está situada, este lugar deve apresentar estabilidade, sendo flexível e evidenciando quem são os seus usuários, seus nomes e marcas, seus interesses atuais e seus processos de crescimento. Todo o material que entra em uma sala para bebês deve ser avaliado em seu estado físico, nas possibilidades cognitivas, motoras e sensoriais que oferece bem como na sua qualidade cultural. Constitui compromisso da escola oferecer brinquedos e equipamentos que respeitem as características ambientais e socioculturais da comunidade.
A sala pode estar organizada em microambientes temáticos com alguns materiais mais estruturados, mas também com material não estruturado. Nesses pequenos espaços, tapetes, colchonetes, cantos, tocas, as crianças exploram os objetos, constroem cenários e estruturam brincadeiras coletivas e individuais. Também é preciso que a sala tenha lugares como armários, caixas, cestos, onde possam ser guardados os materiais.
Os bebês na creche, além da sala, têm direito aos espaços de uso coletivo como as bibliotecas, sala de música, o pátio e outros. O parquinho da escola é um espaço que deve ser pensado e organizado na medida das crianças. Além disso, as crianças pequenas necessitam de contato diário com a luz do sol, o ar fresco e com a observação e interação com a natureza. Acima de tudo, o espaço que as crianças vivem tanto tempo precisa ser prazeroso, bonito, relaxante, alegre.
Os usos do tempo
Talvez o tempo seja um importante elemento para a definição da especificidade da educação dos bebês. As crianças pequenas precisam de tempo, de tempos longos para brincar, para comer, para dormir. Tempos que sejam significativos. As crianças pequenas, especialmente os bebês, têm a árdua tarefa de compreender e significar o mundo e precisam de tempo para interagir, para observar, para usufruir e para criar.
Muitas vezes as pessoas pensam que os bebês têm pouca capacidade de atenção, de envolvimento, de curiosidade e por este motivo não oferecem propostas de atividades para as crianças, ou, ao contrário trocam a cada momento as propostas. Ora, quando temos efetivamente contato com os bebês e os observamos brincando sozinhos ou com outros bebês verificamos que eles ficam intrigados e envolvidos com uma tarefa e podem permanecer assim por muito tempo. A pressa, em geral é nossa, dos adultos.
Ter tempo para brincar, fazer a mesma torre muitas vezes, derrubar, reconstruir, derrubar novamente, permite aos bebês sedimentar as suas experiências. A organização de uma jornada na escola precisa contemplar as necessidades das crianças sejam elas de ordem biológica, emocional, cognitiva, social e também oferecer tempos de individualização e de socialização. Nossa sociedade, em nome da produtividade, tem acelerado a vida: cada vez mais cedo e cada vez mais rápido. As crianças chegam às escolas com organizações de vida diferenciadas e, aos poucos, vão sincronizando com o grupo, isto é, a professora junto com as crianças vai construindo uma vida com tempos compartilhados. Porém é preciso cuidado para que este processo não seja invasivo e tenha atenção às necessidades, ritmos e escolhas individuais.
Construindo uma rotina
As rotinas, ou a jornada diária da sala de bebês, são aquelas experiências que se realizam ao longo do dia. Essa repetição oferece para os bebês certo domínio sobre o mundo em que vive e oferece a eles segurança, isto é, a possibilidade de antecipar aquilo que vai acontecer. A recorrência dos eventos faz com que se possa construir um eixo de história e memória, em que se construa uma identidade social, de grupo. Afinal, todos os dias, no mesmo lugar, juntamente com as mesmas pessoas serão realizadas certas atividades e repetidos alguns rituais. É neste lugar que as crianças vão se encontrar com outras crianças, aprender a se relacionar, a conviver, a cooperar, discordar. É neste espaço social que irão, com seus corpos, perceber os odores, escutar as vozes, olhar, observar, tocar, pois as crianças têm grande capacidade de compreender a realidade através dos sentidos.
Com os bebês é preciso ter muita atenção aos momentos de vida cotidiana, pois são nestes momentos que as crianças fazem as primeiras aprendizagens, aprendem a cuidar de si e a se relacionar com os outros e o mundo. Assim, fazendo as tarefas cotidianas com o apoio de um outro, em geral adulto, mas também outras crianças, que os bebês aprendem a viver a vida e vão construindo sua independência.
Geralmente as salas de bebês organizam seu tempo em momentos que iniciam com o acolhimento, passam pelas refeições, pela brincadeira, por atividades de higiene, pelas práticas de repouso, por uma ida ao pátio, isto é, pela construção de contextos educativos que possibilitam aos meninos e às meninas adquirir conhecimentos e habilidades e a realizar interações que instituem e ampliam seu repertório motor, cognitivo, emocional, social e cognitivo. Ter uma jornada diária pensada “na medida do grupo e de cada criança” significa também estar aberta ao inesperado, àquilo que “sem aviso” emerge no cotidiano e propicia as reavaliações de percurso, oferecendo novas opções aos bebês.
Então, vamos ao percurso
Se temos um ambiente acolhedor e desafiante, se já pensamos em modos cotidianos de organizar o tempo através de rotinas, se selecionamos os recursos e materiais necessários para o trabalho pedagógico, é hora de pensar como encaminhar o trabalho com as crianças afinal, as bases do trabalho pedagógico estão postas.
A partir dos objetivos presentes no PPP da escola e no planejamento anual da turma, o professor começa a organizar alguns momentos do ano que são recorrentes: o acolhimento dos bebês e suas famílias na creche, o convite aos percursos, os desafios e a construção de processos e a análise das experiências vividas. Para realizar este percurso o professor de berçário possui alguns instrumentos: a observação, o planejamento, as ações e experiências e o acompanhamento e a avaliação.
A observação
Para poder compreender e comunicar-se com um bebê pequeno é preciso observar. É através de diferentes técnicas de observação, dirigida, natural, com o uso de instrumentos como máquina fotográfica ou de filmagem, que nos aproximamos do modo como às crianças se relacionam com o mundo e com as outras crianças produzindo as suas vidas. Como não utilizam a palavra falada, é geralmente através da observação crítica, atenta e contínua das atividades, das brincadeiras e interações das crianças no cotidiano que o professor acessa aos sentimentos e questionamentos das crianças. As observações precisam ser registradas para serem compartilhadas e analisadas, é imprescindível um caderno ou pasta para a escrita das observações. Além do conhecimento das singularidades de todas as crianças, é através da observação que o professor pode construir projetos de trabalho com as crianças.
O acolhimento
A chegada de um bebê em uma família cria um momento de grande intensidade emocional e causa profundas transformações em todos os integrantes da mesma. A especificidade desse momento deve ser considerada quando se recebe um novo bebê na creche, afinal não é apenas uma criança que a escola de educação infantil irá acolher, mas toda uma família, que está vivendo um processo de transformação.
Também na escola, a chegada de um novo bebê causa nas crianças e nos adultos uma nova situação, uma reconfiguração do grupo. Assim, acolher uma criança na creche exige, dos diferentes profissionais, atenção, competência e sensibilidade nas relações com os bebês e suas famílias. Para isto, é preciso em primeiro lugar, respeitar e valorizar famílias em suas diferentes formas de estruturação e organização, e abrir diferentes canais para a participação cotidiana das famílias nas escolas de educação infantil.
A inserção das crianças na escola exige que os professores estabeleçam um contato pessoal com cada família. Para as crianças, especialmente os bebês, os primeiros dias de frequência à creche é uma fase de grande mudança e elas precisam de um ambiente que lhe ofereça segurança emocional, acolhimento, atenção. As crianças logo reconhecem a confiança que seus pais depositam na escola e nas professoras, assim, o trabalho de inserção das crianças na creche passa, necessariamente, pela relação de confiança entre pais e professores.
O professor e a escola têm o compromisso de criar estratégias adequadas ao momento de transição da casa para a instituição de Educação Infantil vivido pela criança, empenhando-se:
• Na construção de um ambiente estável de colaboração e um clima de confiança e tanto para os bebês como para as suas famílias;
• No desenvolvimento das capacidades pessoais do professor que inicia com o estabelecimento de uma relação com a criança através do olhar, do sorriso, da oferta de um objeto, e aos poucos constrói a confiança do bebê nesta nova pessoa e neste novo ambiente;
• Realizar reuniões para apresentar a proposta, as dependências da escola e as pessoas que nela trabalham;
• Entrevista com os responsáveis para conhecer bebê e suas famílias, seus hábitos e os valores;
• Combinar o processo de inserção da criança na creche: período de tempo, tempo diário de permanência, presença dos familiares, etc;
Após o momento inicial de acolhimento, as crianças e os adultos, constroem um ritmo de trabalho a partir de ações e experiências. Os desafios, as proposições, as problematizações vão se estruturando ao longo do processo. Elas iniciam com o conhecimento de todos os bebês, das situações que parecem mais significativas e, a partir de então, exigem compromisso do professor e imaginação pedagógica para continuar com um percurso.
Porém, os percursos exigem mudanças nas trajetórias quando, ao procurar escutar aquilo que nos dizem os bebês através das suas múltiplas linguagens, avaliamos que outras ações são mais importantes que aquelas planejadas. Construir, a partir daquilo que as crianças evidenciam um percurso com coerência e com uma história que pode ser registrada através de fotos e, continuamente, contada às crianças para que elas se reconheçam como sujeitos históricos, que fazem parte de um coletivo, e que deixam marcas e constroem narrativas, é um importante papel da educação nos primeiros anos.

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