" Um professor influi para a eternidade; nunca se pode dizer até onde vai sua influência."
(Henry Adams)

segunda-feira, 30 de maio de 2011

As especificidades da ação pedagógica com bebês - Parte V


Maria Carmem Barbosa
DESAFIOS PARA CONSTRUIR UM DIA A DIA COM OS BEBÊS
O cotidiano das crianças na sala de bebês vai sendo construído através de atos de cuidado e educação dos docentes. Todo o dia inicia-se o encontro dos bebês e adultos com o acolhimento, que pode ser feito de diferentes formas. Em seguida, a professora pode criar uma situação, pautada nas suas observações, que faça com que os bebês encontrem algo (ou alguém) agradável, interessante e instigante.
Uma das características de uma turma de bebês é que mesmo quando a professora tem uma proposta muito interessante os bebês geralmente não participam dela como grupo completo, ou ao menos não ficam presentes em sua totalidade. Sempre há um bebê que está com sono, outro que precisa ser trocado. Assim, aquilo que denominamos trabalho diversificado é uma constante na turma de bebês.
Nestes momentos de encontro, a professora pode promover o relacionamento e a interação das crianças com diferentes materialidades e com manifestações culturais como a música trazendo canções cantadas pela professora ou através de CDs, caixas com instrumentos musicais; propor para os bebês acompanhar a música com o balanço do corpo, o que não deixa de ser uma introdução à dança que deve ser sempre lembrada e estimulada.
Mesmo os bebês sendo pequenos, temos a possibilidades de oferecer massas e tintas adequadas para fazer experiências plásticas assim como água, barro e gelo. Além disso, pode-se promover brincadeiras com blocos, jogos de descoberta, construções, encaixes, “faz de conta”, brincadeiras com bolas, arcos, almofadas para criar situações de desafios motor. Com a linguagem também se faz muitas brincadeiras: onomatopéias, versos, trava-língua, canções, brincadeiras como: cadê o toicinho, serra-serra serrador, que envolvem movimento junto com uma canção são extremamente bem-vindas.
Nas salas devem ser privilegiados os brinquedos e materiais naturais como, por exemplo, panos, pecinhas de madeira, etc. A brincadeira do “cesto dos tesouros”, elaborada por Elinor Goldschimied, é muito indicada para os bebês, pois possibilita a exploração, a composição e a estruturação de uma brincadeira individual e também coletiva, além de ampliar a confiança das crianças.
Grande parte das intervenções da professora ocorrerá no sentido de facilitar as relações sociais, transmitir as possibilidades das brincadeiras em sua multiplicidade e riqueza. A linguagem oral das crianças e sua capacidade de locomoção também serão pontos que regularmente devem ser trabalhados. Igualmente fazem parte da sala dos bebês os livros de imagens, de poesias, de histórias, podendo a escola até fazer uma pequena “bebeteca” onde a criança encontre narrativas e interação com a linguagem oral e convívio com diferentes suportes e gêneros.
Os bebês, mesmo pequenos, podem ir ao teatro quando o espetáculo tiver sido pensado para eles. Além de fruírem como espectadores, os bebês também iniciam seus jogos dramáticos na escola de educação infantil. Nesta faixa etária, o uso dos vídeos ou da TV devem ser feitos com parcimônia. As crianças convivem com as televisões em suas casas, porém as experiências corporais, de relacionamento, de linguagem são as mais significativas nesta faixa etária.
Sempre que possível é importante, ao selecionar os materiais, pensar numa proposta de trabalho com as crianças que leve em consideração o critério da diversidade social e cultural como instrumentos musicais, músicas de diferentes culturas, livros com imagens de crianças e bonecas de diferentes etnias, comidas (todas as culturas tem alimentos específicos para seus bebês) de diferentes tradições culturais que irão, pouco a pouco, estarem presentes no cotidiano do berçário.
Aos momentos de atividades propostas, com acompanhamento, para um grupo maior de crianças, seguem inúmeros momentos de contato individual ou em pequenos grupos. As crianças oferecem pistas, as quais os professores pegam e devolvem com novas elaborações, criando continuidades, rupturas, aprofundamentos. Nesses momentos tradicionalmente vistos apenas como educativos é preciso um profundo olhar de cuidado do professor, cuidado na seleção dos materiais, cuidado para estar atento às expressões das crianças, cuidado para dar o tempo adequado para o desenvolvimento da atividade.
Como as crianças desta idade ainda têm necessidades corporais muito constantes este, provavelmente, será o momento de alimentar-se através de um pequeno lanche. A alimentação é uma prática cultural repleta de simbolismo. A escolha dos alimentos, a forma como se organiza as cadeiras, o lugar onde se come – se sala ou refeitório – os instrumentos que se usa para comer, tudo isto diz respeito à formação cultural e social.
Também o modo como se inicia e finaliza a alimentação fazem parte de um ritual, um ritual que não é igual ao doméstico e que na escola pode ser construído com a participação das crianças e transmitido aos bebês.
Nos momentos de alimentação, as crianças ficam envolvidas com a ação dos adultos, porém algumas vezes, conforme a configuração dos móveis pode ser um momento de grande socialização e vida coletiva. Em geral as crianças participam com muita alegria deste momento que é muito mais do que uma necessidade fisiológica. A dependência das crianças de uma alimentação que é servida para elas, vai, pouco a pouco, sendo substituída por situações de alimentação com elas. Por exemplo, pode-se dar uma fruta amassada, mas também dar um pedaço grande, para o bebê explorar, colocar na boca, comer, para finalmente tornar-se uma ação autônoma das crianças.
Aprender a alimentar-se é uma importante aprendizagem para a primeira infância, pois envolve aspectos sociais, de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar; motores: manuseio de talheres, movimento da boca, ingestão e fonoarticulatório.
Nessa situação podemos novamente compreender a inseparabilidade das ações de educação e cuidado.
Após a alimentação, a higiene será uma necessidade das crianças. Preparar um ambiente tranquilo, de intimidade e poder ofertar tempo e disponibilidade de atenção individual são características de um bom momento educativo na higienização. Deixar as crianças confortáveis, limpas com um contato especial propicia grande satisfação.
Em seguida vem o sono, que pode ser precedido por uma canção, uma história, uma poesia, ou seja, também se pode criar um ritual de sono na escola. Este não é um momento fácil para todas as crianças, algumas resistem a passar da vigília para o sono.
Assim tanto o momento de auxiliar a dormir como o momento de acordar deve ser visto com delicadeza e reflexão, isto é, cuidando e educando os bebês.
Em idades posteriores podemos denominar este momento de repouso, pois não deve haver a obrigatoriedade de dormir, porém nesta faixa etária o sono segue, com frequência, aos momentos de alimentação e evacuação. A diferença é que os bebês bem pequenos não têm, muitas vezes, grande sincronia uns com os outros, e quando alguns dormem outros ficam acordados possibilitando intervenções pontuais de seus educadores. Estes podem lhes oferecer propostas onde as crianças aprendam observando, tocando, experimentando, e construindo ações e sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo deste modo cultura.
Todos os dias os bebês precisam ir ao pátio, pois este é um procedimento saudável e também uma importante situação de integração com as demais pessoas da escola, especialmente porque promove interações entre crianças de mesma idade e crianças de diferentes idades. É importante que todos os dias os bebês vivenciem situações que incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza.
Ao longo do dia estes momentos se sucedem. Na medida em que as crianças vão ficando mais velhas, diminui a centralidade das situações de alimentação, repouso e higiene. Assim como todo o dia o acolhimento aos bebês e aos pais deve ser valorizado, a saída é o momento do reencontro com os familiares, momento de emoção, de troca de informações – orais e escritas. Muitas vezes estes momentos são tensos, pois as crianças querem permanecer, ou choram ao ver os pais. É a confiança, continuamente reassegurada, que permite viver as variadas situações emocionais da entrada e da saída com tranquilidade.
O acompanhamento/avaliação
Ao longo do processo, a professora deverá constituir estratégias - através de distintos instrumentos como fotos, desenhos - para acompanhar tanto o seu trabalho pedagógico como para coletar dados sobre as crianças no que se refere tanto à vida do grupo como aos processos vividos por todas as crianças individualmente. Os dados individuais, recolhidos, refletidos não devem servir para selecionar ou estigmatizar as crianças, mas para poder construir perspectivas futuras de intervenção pedagógica.
Os registros, após sua organização, tornam–se um documento para contar para as crianças e suas famílias seus os percursos de aprendizagem individuais e coletivos. Isto significa garantir para as crianças uma memória, contada narrativa e descritivamente, sobre sua vida. Tais registros também servem para construir a memória da instituição e para refletir sobre o projeto pedagógico, constituindo uma documentação específica que permite às famílias conhecer o trabalho da instituição junto às crianças e os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança na Educação Infantil, além de, com isto, valorizar o papel da creche e dos profissionais da educação infantil. Avaliar, refletir criticamente sobre os dados coletados e organizados, é um fator indispensável para qualificar o trabalho.
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